O Beijo (Elsa Moreno)

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O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

CASA SOMENTE CANTO / CASA SOMENTE PALAVRA (Gonzaga Leão)






“Eu sei que a casa escutava
eu sei que a casa sentia
pois quando falava a casa
a casa se comovia” 
 Gonzaga Leão



LEÃO, Luiz Gonzaga.  Casa somente canto -  Casa somente palavra.   São Paulo: 
            Escrituras, 1995.  85 p.  Capa e uma sobrecapa de papel manteiga. Formato
            18x13 cm



POEMA UM

Se você deseja
com seu coração
ou se é com seu sonho
— sua solidão —
o que mais almeja,
se é com seu corpo
e sua peleja
que realmente quer
fazer sua casa,
não importa a forma
que ela possa ter,
pois a casa é
para ser sentida
para ser vivida
para ser amada
e ser possuída
não para se ver.

(...)


Mas se você quer
se deseja dar-se
por completo à casa
dê primeiramente
todos os seus pertences:
dê sua camisa
quando mais suada
dê os seus sapatos
quando mais usados
e a gravata quando
mais amarrotada
e o seu terno quando
ele mais surrado,
pois nós doamos
se nós nos gastamos
quando as coisas nossas
do cotidiano
junto a nós se gastam.

(,,,)


Para que a casa
tenha nosso jeito
e dos nossos corpos
tenha seus trejeitos
e assim bem a casa
seja com efeito
casa construída
tendo nós por teto
nós por dependências
tendo nós por chão
nós por objeto.

POEMA TRÊS

O que me fascina
numa casa são
suas cumeeiras
e dos seus jardins
quando em floração
suas trepadeiras.
Como nas estradas
o que mais me agrada
são suas ladeiras
— tanto nas subidas
quanto nas descidas
pois é sempre assim
que tem sido a vida
minha vida inteira.

*Um livro fundado no tema proposto: a habitalibilidade da casa, sua interrelação com o ocupante. Unidade perfeita. “Casa somente canto/ Casa somente palavra” é de 1985, que eu descobri na estante de uma livraria de Maceió. Tem algo de João Cabral de Melo Neto, sem a secura do mestre pernambucano; ao contrário, Gonzaga Leão é úmido, não abre mão do lirismo, mas ambos são engrenheiros do verso, compondo sobre um tema obsessivamente. Gonzaga Leão  é reiterativo com J.C., pelos meandros do discurso que não abandona a descrição, sem descrever, por circunlóquios verbais: “Partir como sei bem partir de mim”, sem cortar as rimas, que pautam o ritmo. “Mas como pode/ ficar assim/ se a casa existe/ dentro de mim?”   Antônio Miranda





*Veja também o dois http://www.youtube.com/watch?v=Z9pnCeVQFyg

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