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Mostrando postagens de junho, 2018

Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o

A Voz do Solo (Italmar Lamenha de Albertim)

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Queima sol, Esse chão sofredor; Sopra vento, Pra aliviar minha dor. Já não sei a que vim, Se nada produzo ou crio... Será castigo pra mim, Ou apenas desafio? Não chores tanto menina, Não tenhas mágoa de mim; Tua vaquinha morreu? Foi Deus que quis assim. Não tenho culpa da fome Que matou tua malhada; A árvore também está triste, Porque está desfolhada. Se matar a minha sede Tua lágrima pudesse, Viveria na fartura Quem tanto hoje padece. Vamos ter fé no Pai Que criou o universo; Que Ele entenda e perdoe O meu desabafo em verso. Copyright © 2018 by Italmar Lamenha de Albertim All rights reserved.

Soneto "Flor de Laranjeira" (Cavalcanti Barros)

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Num álbum de sonetos vi pedaços, pedaços bem diversos de outras vidas. Vi almas suspirando doloridas, e de amarguras vi profundos traços. Em cada página encontrei, esparsos, doridos corações, almas doridas, amor, paixão, saudades incontidas, anseios, beijos, dor, sonhos e abraços. E nessa singular promiscuidade, senti, silente, a dor duma saudade. Outras dores iguais também senti, Como se fosse um espelho desta vida, eu vi minh'alma, inteira, refletida naqueles versos que em suspiros li. José Cavalcanti Barros é procurador aposentado, jornalista, poeta, membro efetivo da Academia Maceioense de Letras e da Academia Maçônica de Letras. O soneto acima faz parte do livro "Tempo de Agora"

Namoro (Emanuel Galvão)

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Nesse meu ofício de casar palavras, fica um tanto difícil casar, sem promover o namoro. Para escrever eu quase que devoro, livros, letras, lugares, pessoas, poesias, pomares e como trama os enlaço sem nem pensar no cansaço, pra promover o encontro, com carinho e com decôro às vezes ao dicionário peço urgente socorro. Juntar letra com letra, sílaba com sílaba, pra fazer uma oração, com sujeito e predicado, não há mesmo quem consiga, sem verbo, sem coração e um pouquinho de cuidado. Pra fazer essa união tem que estar enamorado! Para que o escrito prossiga, palavra com palavra, pra elas se amasiarem... não há mesmo quem consiga, sem o aconchego do namoro, pra só depois, se casarem. Para quem agora tá amando ou pra qualquer conquistador: Romântico, cético, desconfiado... - entre as palavras - Vejam só que curioso! Amigado, ficando, enrolado, amancebado, e até mesmo casado... - Não tem birra, não tem choro - Só encontrei amor Na palavra nAMOR

Façamos, Vamos Amar - Let’s Do It, Let’s Fall in Love - (Cole Porter/Carlos Rennó)

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Os cidadãos no Japão fazem Lá na China um bilhão fazem Façamos, vamos amar Os espanhóis, os lapões fazem Lituanos e letões fazem Façamos, vamos amar Os alemães em Berlim fazem E também lá em Bonn Em Bombaim fazem Os hindus acham bom Nisseis, níqueis e sansseis fazem Lá em São Francisco muitos gays fazem Façamos, vamos amar Os rouxinóis nos saraus fazem Picantes pica-paus fazem Façamos, vamos amar Uirapurus no Pará fazem Tico-ticos no fubá fazem Façamos, vamos amar Chinfrins, galinhas afim fazem E jamais dizem não Corujas sim fazem, sábias como elas são Muitos perus todos nus fazem Gaviões, pavões e urubus fazem Façamos, vamos amar Dourados no Solimões fazem Camarões em Camarões fazem Façamos, vamos amar Piranhas só por fazer fazem Namorados por prazer fazem Façamos, vamos amar Peixes elétricos bem fazem Entre beijos e choques Cações também fazem Sem falar nos hadoques Salmões no sal, em geral, fazem Bacalhaus no mar em Portugal fazem Façamos, vamos amar Libé

Manifestação (Carlos Rennó/Russo Passapusso/Rincon Sapiência e Xuxa Levy)

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Foto de Francisco Proner Aqui estamos na avenida, Pelas ruas, pela vida, Marchando com o cortejo Que flui horizontalmente, Manifestando o desejo De uma cidade includente E uma nação cidadã Traduzido numa canção, Numa sentença, num mantra, Num grito ou numa oração… … Por todo jovem negro que é caçado Pela polícia na periferia; Por todo pobre criminalizado Só por ser pobre, por pobrefobia; Por todo povo índio que é expulso Da sua terra por um ruralista; Pela mulher que é vítima do impulso Covarde e violento de um machista; Por todo irmão do Senegal, de Angola E lá do Congo aqui refugiado; Pelo menor de idade sem escola, A se formar no crime condenado; Por todo professor da rede pública Mal-pago e maltratado pelo Estado; Pelo mendigo roto em cada súplica; Por todo casal gay discriminado. E proclamamos que não Se exclua ninguém senão A exclusão. Aqui estamos nós de volta, Sob o signo da revolta, Por uma vida mais digna E por um mundo mais justo, Com quem já não se resigna E se op