Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Cecília Meireles

O Beijo (Elsa Moreno)

Imagem
O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência (Cecília Meireles)

Imagem
Através de grossas portas, sentem-se luzes acesas, — e há indagações minuciosas dentro das casas fronteiras: olhos colados aos vidros, mulheres e homens à espreita, caras disformes de insônia, vigiando as ações alheias. Pelas gretas das janelas, pelas frestas das esteiras, agudas setas atiram a inveja e a maledicência. Palavras conjeturadas oscilam no ar de surpresas, como peludas aranhas na gosma das teias densas, rápidas e envenenadas, engenhosas, sorrateiras. Atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas, brilham fardas e casacas, junto com batinas pretas. E há finas mãos pensativas, entre galões, sedas, rendas, e há grossas mãos vigorosas, de unhas fortes, duras veias, e há mãos de púlpito e altares, de Evangelhos, cruzes, bênçãos. Uns são reinóis, uns, mazombos; e pensam de mil maneiras; mas citam Vergílio e Horácio, e refletem, e argumentam, ...

É Preciso Não Esquecer Nada (Cecília Meireles)

Imagem
É preciso não esquecer nada: nem a torneira aberta nem o fogo aceso, nem o sorriso para os infelizes nem a oração de cada instante. 

Canção Mínima (Cecília Meireles)

Imagem
No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta

Ou Isto Ou Aquilo (Cecília Meireles)

Imagem
. Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares!

MOTIVO (Cecília Meireles)

Imagem
Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.

LUA ADVERSA (Cecília Meireles)

Imagem
Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha. Fases que vão e vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. E roda a melancolia seu interminável fuso! Não me encontro com ninguém (tenho fases como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu...