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Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o

Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência (Cecília Meireles)

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Através de grossas portas, sentem-se luzes acesas, — e há indagações minuciosas dentro das casas fronteiras: olhos colados aos vidros, mulheres e homens à espreita, caras disformes de insônia, vigiando as ações alheias. Pelas gretas das janelas, pelas frestas das esteiras, agudas setas atiram a inveja e a maledicência. Palavras conjeturadas oscilam no ar de surpresas, como peludas aranhas na gosma das teias densas, rápidas e envenenadas, engenhosas, sorrateiras. Atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas, brilham fardas e casacas, junto com batinas pretas. E há finas mãos pensativas, entre galões, sedas, rendas, e há grossas mãos vigorosas, de unhas fortes, duras veias, e há mãos de púlpito e altares, de Evangelhos, cruzes, bênçãos. Uns são reinóis, uns, mazombos; e pensam de mil maneiras; mas citam Vergílio e Horácio, e refletem, e argumentam,

É Preciso Não Esquecer Nada (Cecília Meireles)

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É preciso não esquecer nada: nem a torneira aberta nem o fogo aceso, nem o sorriso para os infelizes nem a oração de cada instante. 

Canção Mínima (Cecília Meireles)

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No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta

Ou Isto Ou Aquilo (Cecília Meireles)

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. Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares!

MOTIVO (Cecília Meireles)

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Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.

LUA ADVERSA (Cecília Meireles)

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Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha. Fases que vão e vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. E roda a melancolia seu interminável fuso! Não me encontro com ninguém (tenho fases como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu...