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Mostrando postagens com o rótulo Adélia Prado

O Beijo (Elsa Moreno)

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O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

Com Licença Poética (Adélia Prado)

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Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos -- dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. Adélia Prado , Bagagem. São Paulo: Siciliano. 1993. p. 11.

A formalística (Adélia Prado)

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O poeta cerebral tomou café sem açúcar e foi pro gabinete concentrar-se. Seu lápis é um bisturi que ele afia na pedra, na pedra calcinada das palavras, imagem que elegeu porque ama a dificuldade, o efeito respeitoso que produz seu trato com o dicionário.

Amor Feinho (Adélia Prado)

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Amor feinho Eu quero amor feinho. Amor feinho não olho um pro outro. Uma vez encontrado é igual fé, não teologa mais. Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo e filhos tem os quantos haja. Tudo que não fala, faz. Planta beijo de três cores ao redor da casa e saudade roxa e branca, da comum e da dobrada. Amor feinho é bom porque não fica velho. Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Amor feinho não tem ilusão, o que ele tem é esperança. Eu quero amor feinho.

Ensinamento ( Adélia Prado )

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Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é.