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Mostrando postagens de setembro, 2018

Um Amor (Emanuel Galvão)

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              Alguém já me havia dito que a vida é bem representada pelo aparelho que fica ao lado do leito dos pacientes, principalmente os da UTI. Aquele que faz um sobe-desce e determina o ritmo do coração, um gráfico para dizer a quantas anda nosso batimento cardíaco.  A vida tem seus altos e baixos, vejam, suas árduas subidas e os santos ajudando ladeira a baixo, como diz o ditado.            Naquele aparelho o que não se quer é uma linha reta, horizontal a sinalizar que descansamos. E na batalha da vida, pela vida e com a vida, os amores. Esses que também tem aclives e declives e podem ser difíceis para alguns, como estas palavras. Afinal, a vida não é para amadores. E eu direi: a vida é para amantes. Esses que de conversa em conversa, vão alimentado de saudades um relacionamento, esses temperados com sorrisos, carinhos e gentilezas.            São esses amores silenciosos, com menos boca e mais ouvidos que conquistam a eternidade. Saber ouvir é uma arte, saber ouvir e sorrir  é

Com Licença Poética (Adélia Prado)

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Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos -- dor não é amargura. Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou. Adélia Prado , Bagagem. São Paulo: Siciliano. 1993. p. 11.

"Você é Feminista!" (Ruth Manus)

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Semana passada fui dar aula sobre assédio sexual num curso de pós graduação em São Paulo. Cheguei na sala, composta predominantemente por advogados, e perguntei “Quem aqui se considera feminista?”. Silêncio. Uma moça levanta timidamente o braço. Dois ou três caras fazem comentários baixinho e riem. Disse “Ok. Vou fazer duas leituras rápidas para vocês”. Continuei. “Dicionário Houaiss da língua portuguesa: FEMINISMO: teoria que sustenta a IGUALDADE politica, social e econômica de ambos os sexos. Dicionário Jurídico da Professora Maria Helena Diniz: FEMINISMO: movimento que busca equiparar a mulher ao homem no que atina aos direitos, emancipando-a jurídica, econômica e sexualmente.” Esperei um pouquinho e mudei a pergunta “Quem aqui pode me dizer que NÃO se considera feminista?”. Ninguém levantou a mão. Pois é. Tenho a sensação de que 99% do mundo não entendeu até agora o que é feminismo. Porque se as pessoas entendessem, quase todo mundo teria orgulho de se dizer feminista. E o melhor

De Estimação (Emanuel Galvão)

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O livro vai a onde traçam seu itinerário. Preso em estantes, Todavia, livro é libertário. Livro é libertação! A capa e a contracapa Que segura o conteúdo Não o faz para sempre, Abre-se prontamente, Com auxílio curioso das mãos. Contudo, Meu caro, Leitor é bicho raro! Quase em extinção. Eu mesmo, Cuido dos meus, Ando feito Promēthéus: Trago fogo, trago flores, Reflexão, excitação, amores, Vida, sonho, paixão. Tudo para meus leitores. São meus, e de estimação. Junto a eles é meu lugar. Amar tem seus sinônimos... Um deles é cuidar. Copyright © 2018 by Emanuel Galvão All rights reserved.

A formalística (Adélia Prado)

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O poeta cerebral tomou café sem açúcar e foi pro gabinete concentrar-se. Seu lápis é um bisturi que ele afia na pedra, na pedra calcinada das palavras, imagem que elegeu porque ama a dificuldade, o efeito respeitoso que produz seu trato com o dicionário.

Esta Gente (Sophia de Mello Breyner)

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Esta gente cujo rosto Às vezes luminoso E outras vezes tosco Ora me lembra escravos Ora me lembra reis Faz renascer meu gosto De luta e de combate Contra o abutre e a cobra O porco e o milhafre Pois a gente que tem O rosto desenhado Por paciência e fome É a gente em quem Um país ocupado Escreve o seu nome E em frente desta gente Ignorada e pisada Como a pedra do chão E mais do que a pedra Humilhada e calcada Meu canto se renova E recomeço a busca De um país liberto De uma vida limpa E de um tempo justo

A Margem Esquerda do Rio (Emanuel Galvão)

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Em memória de Francisco Sales Uma cidade edificada de história e conhecimento Alicerçada na pedra da Sabedoria Um monumento antigo e sempre novo Um ícone do povo Muito embora forjado na academia. Quem viveu para preservar a memória Mesmo que da vida destituído Jamais será esquecido! Pois soube edificar em rocha Sua história, A do seu povo... Desse antigo casario A margem esquerda do rio. Habita agora na Casa do Penedo Uma saudade... Cada papel amarelado Cada peça do acervo Na margem daquele lado Perde o Seio, o eixo o nervo... Uma poeira, Uma digital, Um vento que entra de qualquer maneira E percorre todo erêncio - Ele aparente surdo à voz de todos - Fala agora seus silêncios. 19.09.2018 Copyright © 2018 by Emanuel Galvão All rights reserved. Conheça mais de Francisco Alberto Sales e a  Fundação Casa do Penedo Francisco Alberto Sales, fundador da Casa do Penedo, faleceu aos 78 anos em Brasília — Foto: Ro

Seu Rei Mandou Dizer... (Emanuel Galvão)

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"...mas das palavras não sou eu que faço uso. São elas, as geniosas, as venais que se utilizam de mim e se divertem.." Bruna Lombardi Pensei certa vez: Que ofício tem o poeta, Senão brincar com as palavras? Não percebia eu Que elas - as palavras - É que brincavam comigo. Percebi isto quando, Brincar não estava disposto E as palavras brincavam de se esconder, De escorregar, de pega-pega, De pular carniça; - cada brincadeira de mau gosto! - De boca de forno, Só pra me fazer ir e vir. Atrás de letras, sílabas, pontos, vírgulas Que seu rei mandou dizer... E como não bastasse dizer! Escrever, escrever, escrever... Mas a palavra é como criança Quer ser grande antes do tempo Quer ser independente - palavras dão um trabalhão quando esperneiam cheias de vontades - É feito filho que a gente cria Sem saber pra quê (antes, depois ou entre) Palavra encanta a gente! E dá a falsa esperança Que através delas A gente pode ser pra sempre. Copyrig

Discurso Pré-fabricado Para Uso dos Passivos (Paulo Miranda Barreto)

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Já não entro em briga de foice e martelo em briga de galo , de cachorro-grande de vermelho sangue e de verde-amarelo. . . Prefiro deixar que meu furor se abrande Dei de observar de longe o desmantelo ‘pacificamente’ . . . qual filho de Gandhi qual João-sem-braço ou delicado dândi (Politicamente correto . . . sem sê-lo) Evito o confronto, o debate, o tumulto me esquivo do bruto, do louco, do irado do pobre e coitado, do abastado e culto do justo, do injusto . . . e do desajustado Eu, de indignado, destemido e astuto passei a ser manso, zen e conformado. . . Fui bravo soldado . . . mais que resoluto Hoje, já não luto . . . Só espero sentado que o absoluto mal seja extirpado. . . e que o injustiçado receba o indulto. Paulo Miranda Barreto - Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição CompartilhaIgual 4.0 Internacional -.

Minha Rua Não Tem Palmeiras (Jarbas Siebiger)

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Minha rua é socialista. Quando chove, há barro para todos. Lá, a democracia é totalitária. Quiseram calçá-la, base de rateio. Uns poucos declinaram, continuou crua. Ideologicamente, prefiro. Seria brindar incapacidades. Na minha rua, economia imita globalização e autossustentabilidade. Tem Paulinho, que apara mato, colore grade, maquia muro. Iara pergunta hora e cronometra salgado quente aos aniversários. Caia fundo de churrasqueira, Rogério improvisará lata. Puxadinho é com o Gérson: cerveja servida, barateia mão-de-obra, afina acabamento. Coelho limpa carburador, põe ponto ao motor. Depois, divide birita e costela. Compradas com os caraminguás do socorro. A mulher lava pra vizinha defronte. Sem pudor, nem preconceito. Necessidade. Nem a coleta do lixo é discriminada. Mesmo assim, garrafas vão separadas. Retornam com detergente. Feito por lá. Procedência se conhece, nota faltará. Política, a rua dispensa: Estado não cumpre, não interfira. Rua minha é solidária. Kombi de Paul

Para Liquidar Os Povos (Milan Kundera)

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Incêndio que destruiu o Museu Nacional Para liquidar os povos, começa-se por lhes tirar a memória. Destroem-se seus livros, sua cultura, sua história. E uma outra pessoa lhes escreve outros livros, lhes dá outra cultura e lhes inventa uma outra história. O Livro do Riso e do Esquecimento, 1978.