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Mostrando postagens com o rótulo Socorro Monteiro

Das Vantagens de Ser Bobo (Clarice Lispector)

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  O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar no mundo. O bobo é capaz de ficar sentado, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntando por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo. Estou pensando." Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a ideia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os veem como simples pessoas humanas. O bobo ganha liberdade e sabedoria para viver. O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea o

SEDUÇÃO DO OLHAR (Socorro Monteiro)

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São somente roupas penduradas! Meu olhar, assim foi seduzido por esta fotografia; Sem perceber, convenceu a minha mente a tornar-se linha.  E foi tecendo delicadamente ... O volume do teu corpo forte e vivo a se movimentar dentro da roupa; O brilho dos teus cabelos quase molhados após o banho; O Teu Rosto firme de expressão muito séria; A delicadeza do teu olhar expresso nas imagens que crias. Aos poucos, a linha da minha mente foi tecendo o homem da roupa... A tua pele foi se formando com a maciez de seda da Pérsia; A superfície geográfica do teu corpo foi tecida em cor e luz; Com delicadeza imensa, nasceu um quase sorriso; Como num toque de mágica, deu-se forma ao teu calor; Costurando lentamente, pois carícia em tuas mãos; Espalhou por toda roupa, o perfume do teu corpo; Sonorizou ao meu ouvido, a tua respiração; Com linha bem transparente, deu pulsar ao coração; E a pele excitada deu vida a emoção. E foi assim que minhas agulhas da mente te

Uma Paixão Sedutora (Socorro Monteiro)

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Um dia um homem apaixonado por uma arte me contaminou com o vírus da sedução das imagens com a mesma avidez do poeta que atrai pela palavra. E como a terra que faz nascer a semente nas suas entranhas, ele fez germinar dentro de mim o interesse de viajar no mundo do cinema.

SOLIDÃO (Socorro Monteiro)

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   Homenagem a Dominguinhos                                           Uma sanfona vagueia sozinha pelos rincões do sertão. Ela sabe que nunca mais será acariciada pelos dedos ágeis e grossos que lhes coçavam as costelas ordenando o comando do floreado que expressava alegria, inventando acordes que davam muito xodó. Sabe que apesar do vigor que ainda carrega, está condenada ao recolhimento e as lembranças do seu romance feliz, que durante muito tempo produziu muito chamego...  

A FACE DA MÚSICA (Socorro Monteiro)

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A música toma a forma de fumaça azulada no infinito. Adentra aos nossos ouvidos com uma grande maciez. Se a audição enxergasse, a veria nas cores do arco-íris. Se a pele a tocasse, a sentiria um manto drapeado, transparente e sedoso, com o poder de acariciar o corpo.

O SERTÃO TEM SEUS ENCANTOS (Socorro Monteiro)

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Foto: Socorro Monteiro Povo na beira da estrada, casa branquinha caiada, na porta a inscrição: deus proteja essa casa e não deixe faltar nada   nem comida nem remédio e livre nóis do inferno da fome da sequidão Menino só de calção, sem camisa e sem chapéu   caminha pelas estradas com uma peteca na mão a cara toda rajada, sem se preocupar com nada,   buchudo de pé no chão, Um burrinho carregado, pelo dono açoitado nas costas o suor se espalha,   e na agonia do caminho vai xotando com o velhinho   bem no meio da cangalha No caminho tem uma cerca, mais na frente uma cancela, pra poder chegar no rio, tem que se passar por ela lá está a lavadeira, com a roupa toda molhada,   dá até pra vê suas curvas bem de longe da estrada Ao longe se ouve chocalho, tocando na capoeira,   acompanhado de berros se aproxima a cabroeira   são bodes, ovelhas, cabras   que veem em busca da água e começa a bebedeira. Quem passar pelo sertão vai vê doutor muito mais:   vai vê cr