Invenção de Orfeu UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] (Jorge de Lima)

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Catástrofe ambiental provocada pela Braskem [ [UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] Um monstro flui nesse poema feito de úmido sal-gema. A abóbada estreita mana a loucura cotidiana. Pra me salvar da loucura como sal-gema. Eis a cura. O ar imenso amadurece, a água nasce, a pedra cresce. Mas desde quando esse rio corre no leito vazio? Vede que arrasta cabeças, frontes sumidas, espessas. E são minhas as medusas, cabeças de estranhas musas. Mas nem tristeza e alegria cindem a noite, do dia. Se vós não tendes sal-gema, não entreis nesse poema.           Invenção de Orfeu, Canto Quarto, poema I

Manifestação (Carlos Rennó/Russo Passapusso/Rincon Sapiência e Xuxa Levy)


Foto de Francisco Proner

Aqui estamos na avenida,
Pelas ruas, pela vida,
Marchando com o cortejo
Que flui horizontalmente,
Manifestando o desejo
De uma cidade includente

E uma nação cidadã
Traduzido numa canção,
Numa sentença, num mantra,
Num grito ou numa oração…

… Por todo jovem negro que é caçado
Pela polícia na periferia;
Por todo pobre criminalizado
Só por ser pobre, por pobrefobia;

Por todo povo índio que é expulso
Da sua terra por um ruralista;
Pela mulher que é vítima do impulso
Covarde e violento de um machista;

Por todo irmão do Senegal, de Angola
E lá do Congo aqui refugiado;
Pelo menor de idade sem escola,
A se formar no crime condenado;

Por todo professor da rede pública
Mal-pago e maltratado pelo Estado;
Pelo mendigo roto em cada súplica;
Por todo casal gay discriminado.

E proclamamos que não
Se exclua ninguém senão
A exclusão.

Aqui estamos nós de volta,
Sob o signo da revolta,
Por uma vida mais digna
E por um mundo mais justo,
Com quem já não se resigna
E se opõe sem nenhum susto

A uma classe dominante
Hostil à população,
Numa ação dignificante
Que nasce da indignação…

… Por todo homem algemado ao poste,
Tal qual seu ancestral posto no tronco;
Por todo jovem que protesta até que o prostre
O tiro besta de um PM bronco;

Por todo morador de rua, sem saída,
Tratado como lixo sob a ponte;
Por toda vida que foi destruída
Em Mariana ou no Xingu, por Belo Monte;

Por toda vítima de cada enchente,
De cada seca dura e duradoura;

Por todo escravo ou seu equivalente;
Pela criança que labuta na lavoura;

Por todo pai ou mãe de santo atacada
Por quem exclui quem crê num outro deus;

Por toda mãe guerreira, abandonada,
Que cria sem o pai os filhos seus.

E proclamamos que não
Se exclua ninguém senão
A exclusão.

Eis aqui a face escrota
De um modelo que se esgota.
Policiais não defendem;
Políticos não contentam;

Uns nos agridem ou prendem;
Outros não nos representam.

E aquele que não é títere,
E é rebelde coração
Vai no face, no zapp, no Twitter e
Combina um ato ou ação…

… Por todo defensor da natureza,
E cada ambientalista ameaçado;
E cada vítima de bullying indefesa;
E cada transexual crucificado;
E cada puta, cada travesti;
E cada louco, e cada craqueiro;
E cada imigrante do Haiti;
E cada quilombola e beiradeiro;

Pelo trabalhador sem moradia,
Pelo sem-terra e pelo sem-trabalho;
Pelos que passam séculos ao dia
Em conduções que cansam pra caralho;

Pela empregada que batalha, e como,
Tal como no Sudeste o nordestino;
E a órfã sem pais hétero nem homo,
E a morta num aborto clandestino.

Impelidos pelos ventos
Dos acontecimentos,
Louvamos os mais diversos
Movimentos libertários
Numa cascata de versos
Sociais e solidários

Duma canção de protesto
Qual canção de redenção,
Uma canção-manifesto,
Canção-manifestação…

… Por todo ser humano ou animal
Tratado com desumanimaldade;

Por todo ser da mata ou vegetal
Que já foi abatido ou inda há-de;

Por toda pobre mãe de um inocente
Executado em noite de chacina;
Por todo preso preso injustamente,
Ou onde preso e preso se assassina;

Pelo ativista de direitos perseguido
E o policial fodido igual quem ele algema;

Pelo neguinho da favela inibido
De frequentar a praia de Ipanema;

E pelo pobre que na dor padece
De amor, de solidão ou de doença;

E as presas da opressão de toda espécie,
E todo aquele em quem ninguém mais pensa…

E proclamamos que não se exclua ninguém
Senão a Exclusão.

Dando à vida e à alma grande
Um sentido que as expande,
Cantamos em consonância
Com os que sofrem ofensa,
Violência, intolerância,
Racismo, indiferença;

As Cláudias e Marielles
Rafaeis e Amarildos
Da imensa legião

De excluídos do Brasil, do SUL ao norte da nação.

E proclamamos que não
Se exclua ninguém senão
A exclusão


*Em 2018 se comemora os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, artistas de diferentes matizes se reuniram, sob a coordenação da Anistia Internacional, para a gravação do vídeo “Manifestação”.

O vídeo nos faz refletir acerca das maiores mazelas sociais dos nossos tempos, incitando-nos a criar uma nova sociedade em que “não se exclua ninguém, senão a exclusão“.


Assista o vídeo



(Letra de Carlos Rennó, Com música de Russo Passapusso, Rincon Sapiência e Xuxa Levy, participam do videoclipe os artistas Criolo, Péricles, Rael, Rico Dalasam, Paulo Miklos, As Bahias e a Cozinha Mineira, Luedji Luna, Siba, Xênia França, Ellen Oléria, BNegão, Filipe Catto, Chico César, Paulinho Moska, Pretinho da Serrinha, Pedro Luís, Marcelino Freire, Ana Cañas, Marcelo Jeneci, Márcia Castro, Larissa Luz, Ludmilla e Chico Buarque. A gravação também tem a participação das atrizes Camila Pitanga, Fernanda Montenegro, Letícia Sabatella e Roberta Estrela D’Alva.)

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