Invenção de Orfeu UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] (Jorge de Lima)

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Catástrofe ambiental provocada pela Braskem [ [UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] Um monstro flui nesse poema feito de úmido sal-gema. A abóbada estreita mana a loucura cotidiana. Pra me salvar da loucura como sal-gema. Eis a cura. O ar imenso amadurece, a água nasce, a pedra cresce. Mas desde quando esse rio corre no leito vazio? Vede que arrasta cabeças, frontes sumidas, espessas. E são minhas as medusas, cabeças de estranhas musas. Mas nem tristeza e alegria cindem a noite, do dia. Se vós não tendes sal-gema, não entreis nesse poema.           Invenção de Orfeu, Canto Quarto, poema I

INEQUAÇÃO (Sidney Wanderley)



Não se entra e sai da amada
como se entra e sai do teatro.
Do teatro se entra e sai
da mesma forma e maneira:
com cinco dedos por mão,
com vinte dedos no corpo,
trinta idéias na cabeça,
algum dinheiro no bolso;
com vida, se entrarmos vivos;
defuntos, se entrarmos mortos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de menos:
pode ser nosso suor
a encharcar nossas vestes;
nosso sangue, nosso sêmen
que em seu ventre floresce;
pode ser nossa agonia,
nossa careta de gozo ou
nossa contrição de prece.

O fato é que algo resta
longe de nós, naufragado,
e não mais somos quem éramos
quando cansados fugimos
do mar gozoso da amada.

Não se entra e sai da amada
como se entra e sai de um auto.
Num auto se entra e passeia
por ladeiras e ruas planas,
por campos, charcos, desertos,
asfalto, barro batido,
canaviais, açucenas,
e ao final da jornada
restamos inteiros e vivos,
de igual forma como entramos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de excesso:
pode ser o seu perfume
reacendendo em nossa pele,
a mancha do seu batom
tatuada em nosso ombro,
um pêlo do negro púbis
boiando em nossa saliva,
ou o nosso peito inflado
de senhor dono do mundo
(porque senhores da amada).

O fato é que ao final
da batalha sem porfia
em nosso corpo habita
algo que antes não havia:
um sargaço, um crustáceo,
sal, areia, maresia,
ou algo que antes no mar
gozoso da amada dormia,

Em verdade não se entra
como se sai da amada:
em nós algo se acrescenta,
ou em nós algo há que falta.



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