O Beijo (Elsa Moreno)

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O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

O Professor Instrutor e o Professor Educador (Miguel Almir L. de Araújo)



Na cotidianidade das práticas educativas, duas posturas modulares podem ser encontradas naqueles que as conduzem: os que assumem o predomínio das características do papel de professores instrutores e os que se comprometem primordialmente com os propósitos de professores educadores.
São bastante relevantes e demarcadoras as diferenças entre as duas posturas. Os que “vestem a camisa” de professores instrutores assumem os encargos do papel de treinadores que viabilizam a profissionalização dos indivíduos mediante conteúdos e técnicas estabelecidas de cunho funcional e pragmático. Desse modo, o que é prioritário é a instrução para os papéis sociais, para o domínio dos saberes técnicos e instrumentais que tendem a conformar e adaptar esses indivíduos aos padrões socialmente instituídos.

Os que abraçam a tarefa de professores educadores nas práticas educativas as realizam como experiências de natureza teórico-vivencial que se nutrem com os saberes instituídos, mas procuram, cotidianamente, recriá-los e ressignificá-los contextualmente buscando atingir os caminhos mais vastos da sabedoria. Desse modo, as práticas educativas vislumbram muito mais que a mera instrução para os papéis e funções sociais, elas conduzem os indivíduos para a formação da inteireza do ser entrelaçando razão e intuição, corpo/emoção e mente/espírito.
O professor instrutor cumpre obrigações. O professor educador celebra paixões. O professor instrutor superestima o quantitativo, instrumentaliza para o ter que tende à coisificação e a mercadejação do humano. O professor educador realça a busca do qualitativo, da globalidade do ser, da dignidade e da beleza humana; conduz à vocação, à voz do coração.
O professor instrutor assume a função de mero transmissor e reprodutor dos saberes instituídos submetendo os indivíduos aos ditames estabelecidos, ao adestramento e à domesticação. O professor educador passa pelo já instituído e busca instituir novos saberes e sentires procurando rasgar os papéis e as máscaras que empacotam e escondem, instigando a autenticidade, o espírito criador e transgressivo.
O professor instrutor repete todo dia os mesmos cacoetes e recursos metodológicos na cadência decadente das rotinas emboloradas e desencantantes. O professor educador reinventa permanentemente seus procedimentos, renovando-se e reencantando-se com o aprendizado vigoroso de cada experiência vivida. O professor instrutor considera-se detentor do saber, pretensamente pronto e acabado. O professor educador concebe-se aprendiz inacabado nos fluxos do cotidiano.
O professor instrutor circunscreve-se na geometria do tempo linear do chronos. O professor educador descortina-se pelas curvas do tempo dinâmico do kairós. O professor instrutor dá aulas previsíveis, insípidas e frias. O professor educador tece aulas imprevisíveis, abertas ao fluxo das aventuras, ruminando o saber com sabor, convertendo-as em vivências vívidas e encantantes; em constantes ritos de iniciação e de renovação dos pensares e sentires. O professor instrutor percorre os caminhos já feitos do ordinário, mais fáceis e cômodos. O professor educador ousa as veredas ainda não trilhadas, mais desafiantes e difíceis, inaugurando caminhos novos, extraordinários.
O professor instrutor tende a reduzir as salas de aula em “selas de aula” aprisionantes e cinzentas, em que reinam a tristeza e o desprazer, e a vida, os sonhos são mortificados. O professor educador converte as salas de aula em espaços abertos e multicoloridos, em que vicejam a alegria e o prazer, e a vida, os sonhos são vicejados – em espaços de celebração da vida.
O professor instrutor obedece aos receituários das liturgias mecânicas e cristalizadas, com suas normas e ordens asfixiantes. O professor educador ultrapassa as receitas desodorizadas e move-se pelas buscas dinâmicas das transformações constantes e emancipadoras entre ordem e caos. O professor instrutor transmite saberes. O professor educador rumina saberes e busca sorver sabedorias. O professor instrutor erige suas práticas pedagógicas com lógicas monológicas, metálicas e excludentes. O professor educador fundamenta-se em lógicas dialógicas, flexíveis e includentes.
O professor instrutor dita conteúdos para que os alunos copiem e assimilem de modo reflexo. O professor educador problematiza conteúdos para que os alunos reflitam e compreendam criticamente. O professor instrutor encampa modelos uniformes lastreados em certezas fixas. O professor educador articula múltiplas referências fundadas em possibilidades abertas, em incertezas. O professor instrutor privilegia o logos, a cognição, a mente. O professor educador entrelaça logos e eros, cognição e intuição, mente e corpo.
O professor instrutor reduz-se aos muros/muralhas da escola, da sala de aula. O professor educador transpõe esses limites trespassando os horizontes expansivos do cotidiano movente da vida. O professor instrutor professa voto de fidelidade às alianças cultuadoras das burocracias que tendem à domesticação e à subjugação. O professor educador concebe a necessidade mínima de burocracia, sendo esta, mero instrumento que deve estar a serviço dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano.
O professor instrutor busca as competências técnica e teórica, a inteligência cognitiva. O professor educador busca as competências técnica e teórica, mas, principalmente, as competências éticas e estéticas, as inteligências cognitiva, intuitiva e emocional. O professor instrutor tende à intolerância e até ao abuso de poder, fala muito e quase não escuta. O professor educador prima pelos princípios da tolerância, da ética da solidariedade e da escuta sensível.
O professor instrutor prima pelos vãos do ter. O professor educador prima pelos desvãos do ser. O professor instrutor busca a reluzência das performances externas dos indivíduos. O professor educador passa pela exterioridade como caminho que conduz às dimensões mais profundas da interioridade do ser, ao autoconhecimento.
O professor instrutor acomoda-se nas linhas retas e regulares das planícies. O professor educador aventura-se pelas curvas e acidentalidades das montanhas. O professor instrutor habitua-se à rotina das tartarugas e das galinhas que rastejam e ciscam a superfície da terra. O professor educador, como a águia, nutre-se das energias da terra e alça seus vôos bailantes pelos ermos do incomensurável.
O professor instrutor privilegia o desenvolvimento das dimensões mais instintivas que traduzem os aspectos mais materialistas do ser humano, as quais, isoladas, fomentam o espírito de competição e de arrogância que desembocam em brutalização e barbárie. O professor educador assume as múltiplas dimensões do humano, passando pelo instinto e atingindo o coração e o espírito de fineza fomentando a solidariedade e a amorosidade. O professor instrutor confina o humano apenas à esfera do material/físico, do imediato e do visível (pedagogia do São Tomé). O professor educador educa para a imanência e para a transcendência, para o invisível, para os valores humanos – a espiritualidade.


Comentários

  1. Amei ter a oportunidade de ler esta obra tão importante para nós educadores. Meus Parabéns.prof. Edna Psicopedagoga

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