Vida Subjuntiva (Emanuel Galvão)

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Foto: Eduardo Matysiak / Futurapress / Folhapress E se essa rua fosse minha E se a gente brincasse E se a bola ninguém furasse E se nossa trave seu João não chutasse Se na pistola ninguém pegasse Se o policial no menino preto não atirasse   Se essa rua fosse minha E nela ninguém mandasse Parar, quando a gente passasse E os documentos mostrasse E nossa mão se levantasse E nossa voz não calasse   Se essa rua fosse minha E a gente se rebelasse Entendendo a luta de classe E da política analisasse Sua cruel e podre face E acabasse o disfarce Atacando quem atacasse A gente multiplicasse E por força desse repasse Toda opressão cessasse   E se essa rua fosse minha Não tua! Eu não morava na rua Eu não dormia na praça Não mostrava a pele nua Não vestia a minha desgraça   Ah! se você entendesse Se você percebesse Se se compadecesse E intercedesse E retrocedesse   Talvez meu mundo Não fosse tão im...

INEQUAÇÃO (Sidney Wanderley)



Não se entra e sai da amada
como se entra e sai do teatro.
Do teatro se entra e sai
da mesma forma e maneira:
com cinco dedos por mão,
com vinte dedos no corpo,
trinta idéias na cabeça,
algum dinheiro no bolso;
com vida, se entrarmos vivos;
defuntos, se entrarmos mortos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de menos:
pode ser nosso suor
a encharcar nossas vestes;
nosso sangue, nosso sêmen
que em seu ventre floresce;
pode ser nossa agonia,
nossa careta de gozo ou
nossa contrição de prece.

O fato é que algo resta
longe de nós, naufragado,
e não mais somos quem éramos
quando cansados fugimos
do mar gozoso da amada.

Não se entra e sai da amada
como se entra e sai de um auto.
Num auto se entra e passeia
por ladeiras e ruas planas,
por campos, charcos, desertos,
asfalto, barro batido,
canaviais, açucenas,
e ao final da jornada
restamos inteiros e vivos,
de igual forma como entramos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de excesso:
pode ser o seu perfume
reacendendo em nossa pele,
a mancha do seu batom
tatuada em nosso ombro,
um pêlo do negro púbis
boiando em nossa saliva,
ou o nosso peito inflado
de senhor dono do mundo
(porque senhores da amada).

O fato é que ao final
da batalha sem porfia
em nosso corpo habita
algo que antes não havia:
um sargaço, um crustáceo,
sal, areia, maresia,
ou algo que antes no mar
gozoso da amada dormia,

Em verdade não se entra
como se sai da amada:
em nós algo se acrescenta,
ou em nós algo há que falta.



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