Vida Subjuntiva (Emanuel Galvão)

Imagem
Foto: Eduardo Matysiak / Futurapress / Folhapress E se essa rua fosse minha E se a gente brincasse E se a bola ninguém furasse E se nossa trave seu João não chutasse Se na pistola ninguém pegasse Se o policial no menino preto não atirasse   Se essa rua fosse minha E nela ninguém mandasse Parar, quando a gente passasse E os documentos mostrasse E nossa mão se levantasse E nossa voz não calasse   Se essa rua fosse minha E a gente se rebelasse Entendendo a luta de classe E da política analisasse Sua cruel e podre face E acabasse o disfarce Atacando quem atacasse A gente multiplicasse E por força desse repasse Toda opressão cessasse   E se essa rua fosse minha Não tua! Eu não morava na rua Eu não dormia na praça Não mostrava a pele nua Não vestia a minha desgraça   Ah! se você entendesse Se você percebesse Se se compadecesse E intercedesse E retrocedesse   Talvez meu mundo Não fosse tão im...

CANA DE AÇÚCAR (Emanuel Galvão)



A foice que decepa a cana
Deixa em mim as cicatrizes.
O meu patrão deitado em berço esplêndido
Quando pisa o chão com botina,
Pisa onde deitei raízes,
Onde forrei minha esteira,
Pra descansar meu corpo moído
Da minha dura rotina.
Que tal qual a cana ficou um bagaço.

Pro meu patrão o mel,
Mas, pra mim, melaço.
Meu trabalho
A vida do meu patrão adoçou
Enquanto a minha, amargou.

No escorrer dos dias
Pra esquecer da dor
E ter umas alegrias,
Eu bebi cachaça
E acabei em cana.
E fui amassado pelas autoridades,
Enquadrado na marginalidade
Em que já vivia.
Eu fui remoído
Já no meu bagaço
De cana.

Fim de semana,
Meu patrão descansa seu cansaço
Feito de pensar exaustivo.
Pensa logo existe e está vivo.
E no meu cansaço de viver sem reclamar,
Penso no meu existir
Lamentando o meu pensar.

Acho mesmo que essa vida
É um engenho
Em que uns são duros como aço,
Outros duros como cana,
Uns nasceram pra ser bacana,
Outros pra ser bagaço.

Mas seja qual for a peleja,
Essa vida tem beleza
E se necessário for
Redobrar o desempenho,
Castigar no meu labor
E fazer mais mel de engenho,
Cachaça e rapadura,
Pois vida assim tão dura
Necessita mais amor,
Mais carinho,
Mais cuidado,
Então pelo meu caminho
Mesmo que amassado
Quero dar mais sabor
A quem labuta ao meu lado.

(Emanuel Galvão - Livro Flor Atrevida - Quadrioffice/2007)

Comentários

Postar um comentário

Deixe seu comentário. Ele é importante para nós. Apos verificação ele será publicado.

Postagens mais visitadas deste blog

TÊNIS X FRESCOBOL (Rubem Alves)

O Beijo (Elsa Moreno)

TERCETOS (Olavo Bilac)

A Reunião dos Bichos (Antônio Francisco)

'ATÉ QUE A MORTE...' (Rubem Alves)

Vida Subjuntiva (Emanuel Galvão)

Essa Negra Fulô (Jorge de Lima)

Gritaram-me Negra (Victoria Santa Cruz)