O Beijo (Elsa Moreno)

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O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

DOS EXCLUIDOS (Emanuel Galvão)



Oh pátria minha! Mãe gentil
Teu filho pede esmola
Pede escola
Pede pão
Que voz horrível é essa?
Será vossa?
A voz que me diz...
Não.


Oh pátria minha! Mãe gentil... pariste.
Pra quê?
Teu filho que não foge à luta!
Porque não ouves meu brado retumbante?
Acaso sou eu filho da... Outra?

Oh pátria minha e tão distante dos meus sonhos
Mãe que me pariste.
Pra quê?
Para deixar-me só e triste?
Não é a ti que me oponho...

Teus donos, teus amantes.
Vindo de terras tão distantes
Deitar em teu berço esplêndido
Sugar com força tuas tetas
- palavras doces, frases belas, mutretas –

Oh Pátria minha, mãe! Comeste?
Pois que teu filho passa fome.
Mas, se ergue da justiça à clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Mesmo que entregue à própria sorte
É filho teu... e não da... Outra.

Oh Pátria amada, idolatrada.
Salve, salve...
Enquanto há tempo.
Porque a paz tá no futuro
E tua glória no passado
E o discurso dos que finge que te amam...
Ultrapassado.
Se o teu futuro espelha esta grandeza
Volta tua face à pobreza
Terra adorada
Não vez que mascarada é a face da nobreza
Que gasta tua riqueza com prostituta
Mandando para fora teu bem mais precioso
Deixando à margem os sonhos do teu povo.

Se o teu futuro espelha essa grandeza
E o teu presente é dúvida e incerteza
Olha pra quem trabalha e não foge à luta
A quem é filho teu e não da... Outra.
Embriagado eternamente em beco esplêndido
Ao som da barriga a reclamar
E o sono profundo...
Da inércia.
Fulguras oh mãe gentil
Porão da América
Iludindo sem piedade a todo mundo.

O meu amor por ti, me faz seguir adiante.
E é por amor que o coração diz: cante
É por saber-me vencedor, mesmo vencido.
Que ergo da injustiça com voz forte
Falando pelos meus pares excluídos
Um brado que ecoe retumbante.

(Emanuel Galvão - Livro Flor Atrevida - Quadrioffice/2007)

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