Invenção de Orfeu UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] (Jorge de Lima)

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Catástrofe ambiental provocada pela Braskem [ [UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] Um monstro flui nesse poema feito de úmido sal-gema. A abóbada estreita mana a loucura cotidiana. Pra me salvar da loucura como sal-gema. Eis a cura. O ar imenso amadurece, a água nasce, a pedra cresce. Mas desde quando esse rio corre no leito vazio? Vede que arrasta cabeças, frontes sumidas, espessas. E são minhas as medusas, cabeças de estranhas musas. Mas nem tristeza e alegria cindem a noite, do dia. Se vós não tendes sal-gema, não entreis nesse poema.           Invenção de Orfeu, Canto Quarto, poema I

Onde anda seu primeiro amor? (Fernando Tenório)




Todos nós já tivemos um primeiro amor. Pode não ter sido o melhor beijo, o melhor na cama e o amor mais intenso. No entanto, guardamos no bolso que carregamos o passado um quê de nostalgia e uma curiosidade sobre a vida do amor mais pueril.

Certo dia lembrei do meu primeiro amor. A moça era de Maribondo-Alagoas, assim como eu. Por ela fui capaz de ir contra minha natureza. Frequentei as discotecas das cidades vizinhas. Thundercats em Capela, Zueira em Anadia e Miau em Tanque D´arca. Frequentei muito show de forró para ter chance de chamá-la à uma única dança. Por ser um péssimo dançarino, concentrava-me em não pisar em seu pé e não proferia uma só palavra. Mesmo assim, ganhava a noite por minha coragem e quase conquista.

Quando olhava de longe e notava que havia sido notado por ela, sentia-me mais valioso que a farinha do moinho Motrisa em Maceió, e digo mais, do silo que rompeu. Senti borboletas no estômago quando descobri que ela também nutria certo afeto por mim. A verdade é que meu primeiro amor se arrastou e nunca aconteceu de fato. Procurei resolvê-lo em outras bocas, outros corpos e acho que me refiz. Resta a inocência da época, lembrada com muita nostalgia e puerilidade que jamais voltarei a ter.

Há tempos andava sem notícias da moça. Ela acabou mudando para outro estado e perdemos contato. Talvez por negligência da minha parte. Talvez por medo. Nunca fui procurá-la, afinal amor do passado é igual a buraco negro. Poderia acabar consumindo tudo e levando minha paz, que é meu bem mais precioso. Não sabia se estava casada, solteira ou viúva. Se morava no Brasil ou em Botswana. E o principal, se ainda lembrava de mim...Que necessidade a nossa de ser lembrado sempre! Gostamos de marcar a vida de pessoas, fabricando uma onipresença sentimental, e que essas passem sem deixar consequências graves na nossa.

O fato é que estava deitado, quase no sono bom, quando recebi uma notificação no celular. Meu primeiro amor havia me achado. Ela solicitava minha amizade. De pronto, aceitei. Fui olhando cada foto, vendo cada passo da vida dela.

A beleza, que tanto me incendiava, já havia perdido o brilho. Mesmo nas fotos alegres havia cansaço nos olhos. Quando fui passando outras fotos descobri o motivo: ela já é mãe de um menino lindo. Passei mais algumas e encontrei o marido, um quase rival que nunca imaginei ter. Vi também várias felicitações para chegada de um novo herdeiro.

Resumindo: meu primeiro amor é casada, tem um filho e espera o segundo. Mora em uma casa, costuma fazer churrascos aos domingos e tomar vinho às sextas-feiras com um casal amigo. Lê Augusto Cury, Paulo Coelho e posta várias frases de autoajuda. Pelo que publica tem muita fé, frequenta a igreja e odeia a Dilma. Trabalha muito e com o que gosta. Anda com carros populares e frequenta restaurantes caros. Meu primeiro amor ouve sertanejo universitário e Leoni.

A verdade, ainda que doa, é que eu preferia não ter visto isso. Se eu pudesse aconselhar alguém, falaria para deixar o primeiro amor com gosto de saudade, como uma doce lembrança que tem seu lugar e lá deve permanecer. Ele não merece ser contaminado pela ingrata realidade.

Preferia perguntar sempre onde anda você, cantarolando Vinícius de Moraes. Preferia imaginar várias coisas sobre ela, dar vários dotes ancorado no sentimento do passado. Vê-la nos sonhos linda e elegante como sempre, desfilando por grandes palcos do mundo.

A realidade não me trouxe inveja, muito menos ciúmes. Senti uma nostalgia, um arrependimento de não ter roubado um beijo, achando que a vida dela poderia ser diferente. Arrogância a minha de pensar que poderia modificar destinos. Que poderia ter sido melhor para ela. De taxar como medíocre o que desconheço. Vi que é somente meu ponto de vista, Edu Krieger. Ela pode ser mais feliz e realizada que eu, mesmo levando uma vida diferente do que pensou para si e do que imaginei para a moça.

O que senti, de verdade, foi a implacável força do tempo, que pesa sobre os olhos da moça. Que pesa contra sua beleza empoeirada e, principalmente, sobre mim.



Comentários

  1. A nostalgia tomou conta de mim!
    "São amores que marcam".

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  2. Fenando Tenório é um ótimo cronista Morena, aguarde as próximas cônicas dele aqui no blog. Grande abraço!

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