Vida Subjuntiva (Emanuel Galvão)

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Foto: Eduardo Matysiak / Futurapress / Folhapress E se essa rua fosse minha E se a gente brincasse E se a bola ninguém furasse E se nossa trave seu João não chutasse Se na pistola ninguém pegasse Se o policial no menino preto não atirasse   Se essa rua fosse minha E nela ninguém mandasse Parar, quando a gente passasse E os documentos mostrasse E nossa mão se levantasse E nossa voz não calasse   Se essa rua fosse minha E a gente se rebelasse Entendendo a luta de classe E da política analisasse Sua cruel e podre face E acabasse o disfarce Atacando quem atacasse A gente multiplicasse E por força desse repasse Toda opressão cessasse   E se essa rua fosse minha Não tua! Eu não morava na rua Eu não dormia na praça Não mostrava a pele nua Não vestia a minha desgraça   Ah! se você entendesse Se você percebesse Se se compadecesse E intercedesse E retrocedesse   Talvez meu mundo Não fosse tão im...

A luta amorosa com as palavras (Mário Quintana)




Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me
aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda
confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas,
meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão.
Há! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas… Aí vai! Estou com 78 anos,
mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade
demais, pois foi-nos prometida a eternidade.

Nasci do rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que
me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia
descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro –
o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton! Excusez du peu.

Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário,
sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é
insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem
que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam
os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros ?

Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro
elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras.
Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante
5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto
de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam), o que é a luta
amorosa com as palavras.



*(texto escrito pelo poeta para a revista “Isto É” de 14/11/1984)

*Veja outros textos muito bons em:Mágia da Poesia





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