Vida Subjuntiva (Emanuel Galvão)

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Foto: Eduardo Matysiak / Futurapress / Folhapress E se essa rua fosse minha E se a gente brincasse E se a bola ninguém furasse E se nossa trave seu João não chutasse Se na pistola ninguém pegasse Se o policial no menino preto não atirasse   Se essa rua fosse minha E nela ninguém mandasse Parar, quando a gente passasse E os documentos mostrasse E nossa mão se levantasse E nossa voz não calasse   Se essa rua fosse minha E a gente se rebelasse Entendendo a luta de classe E da política analisasse Sua cruel e podre face E acabasse o disfarce Atacando quem atacasse A gente multiplicasse E por força desse repasse Toda opressão cessasse   E se essa rua fosse minha Não tua! Eu não morava na rua Eu não dormia na praça Não mostrava a pele nua Não vestia a minha desgraça   Ah! se você entendesse Se você percebesse Se se compadecesse E intercedesse E retrocedesse   Talvez meu mundo Não fosse tão im...

Passei Uns Dias Sentindo Um Calor (Elaine Cristina dos Santos Lima)

 


Passei uns dias sentindo um calor.

Calor que surgiu na minha epiderme e se infundiu até a camada mais profunda da minha alma.

Um calor desses que só pode surgir na pele porque necessita de estímulos sensuais, dos sentidos e da carne. Aliás, como toda emoção.

A sensualidade é fundamental. Gosto de ouvir, de tocar, de ver e gosto que sintam em mim.

A cada movimento da vida se apresenta uma possibilidade de experimentar o inusitado. Muitas vezes desafiando o espaço e o tempo e sempre desafiando o tradicional. Embora, não seja fácil e nem óbvio entender. Mas, eu me esforço.

A vida não deixa de ser um labirinto explosivo de sensações que nos exige atenção e entrega. Eu me entrego. Não me entrego numa cega submissão a um destino dito predeterminado e sim, me entrego, numa escolha racional e emocional posta como possível.

É uma vida ardente de explosões sentimentais que quero e vivo sempre que o momento me aparece. Esses dias de calor me pareceu um desses momentos. Fiquei a escutar meus pensamentos que retumbavam incessantes minhas fantasias.

E como sou criativa!

É até difícil colocar no papel o que penso.

Mais fácil seria viver. Embora, viver seja tão difícil.

Nesses dias de calor o sol nem estava tão próximo. Não aquele que identificamos enquanto a estrela central do nosso sistema solar. Mas, havia um sol próximo. Seria impossível queimar tanto a pele se não houvesse.

Um sol em forma de gente.

Desses que tem pernas, cabelo, tronco, mãos, cabeça e talento. Sempre acompanhei de longe como uma impossibilidade. Mas, agora que está perto, reafirmando o inusitado da vida, me queima ardentemente. Claro que perto é apenas uma expressão, na falta de outra mais apropriada para inserir nesse texto agora, uma vez que sentir também desafia o espaço.

Um dos pensamentos que me ocupavam a mente e quase não deixava espaço pra pensamentos de outra ordem é o dos lábios.

Sim. Lábios. Adoro lábios. Quase sempre vulgarizados como premissa obrigatória para se começar qualquer emoção. Mas, lhe retiro a obrigação e lhe confiro a liberdade. Por isso, não penso os lábios como um início, mas como um partícipe voluntário que pode ocorrer a qualquer hora e inclusive não ocorrer.

Ai os lábios!!! Com sua presença úmida que parece mais quente que meu corpo queimando.

Lábios que deslizante dos pés à cabeça me deixa em frenesi.

Lábios que tem seu ápice no percurso corporal ao tocar os lugares ocultos e proibidos e nos faz transformar a fala, sempre por mim, tão desejada, em sussurros indecifráveis. A fala também precisa do movimento dos lábios. Ai!!

Os lábios e seu movimento são sempre desejáveis. Aquele movimento que exprime deliciosas torturas linguísticas ditas apenas em momentos de tensão corporal quando o sangue está correndo mais rapidamente em suas veias e o coração parece que vai saltar do corpo descontrolado. Mas, não se trata de qualquer dito sem sentido ou mesmo de qualquer discurso bem elaborado, chato e previsível. Palavras que expressam aquele corpo incontido e todo o seu desejo mais transgressor. Tudo ao pé do ouvido de quem estiver pra ouvir. Muitas vozes, lábios e corpos se estreitando entre si.

Sou dada a imaginação. O tempo inteiro ideias não deixam em paz nem minha alma e nem meu corpo, por isso, queimo. Resposta ao sol em forma de gente que me estimulou tão fortemente.

Já que só podia imaginar, não conseguia controlar minha imaginação.

Talento é algo que me atrai. Não um talento mesquinho que revela um egocentrismo vaidoso. Mas, um talento que se expressa numa forma de vida não convencional. Esse talento é a minha serpente do Éden desprovida de todo o pecado. Me hipnotiza com facilidade porque me oferece o inesperado. E eu quero. Sempre quero.

Passei uns dias sentindo um calor. Tomei banho mais vezes. Mas, toda vez que as gotículas de água se uniam impetuosamente no chuveiro e desciam banhando meu corpo, internamente, eu me aquecia mais. Minha pele está em erupção e mesmo a água que deveria apaziguar, evapora, e me parece um condutor de estímulo sensorial e emocional na ausência e na presença do sol em forma de gente.

Passei uns dias sentindo um calor que não passa!

No verão pandêmico de 2021.

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