Um Amor (Emanuel Galvão)

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              Alguém já me havia dito que a vida é bem representada pelo aparelho que fica ao lado do leito dos pacientes, principalmente os da UTI. Aquele que faz um sobe-desce e determina o ritmo do coração, um gráfico para dizer a quantas anda nosso batimento cardíaco.  A vida tem seus altos e baixos, vejam, suas árduas subidas e os santos ajudando ladeira a baixo, como diz o ditado.            Naquele aparelho o que não se quer é uma linha reta, horizontal a sinalizar que descansamos. E na batalha da vida, pela vida e com a vida, os amores. Esses que também tem aclives e declives e podem ser difíceis para alguns, como estas palavras. Afinal, a vida não é para amadores. E eu direi: a vida é para amantes. Esses que de conversa em conversa, vão alimentado de saudades um relacionamento, esses temperados com sorrisos, carinhos e gentilezas.            São esses amores silenciosos, com menos boca e mais ouvidos que conquistam a eternidade. Saber ouvir é uma arte, saber ouvir e sorrir  é

Manifesto Pela Ocupação Amorosa dos Corações Vazios (André J. Gomes)



E de agora em diante, fica estabelecido que todos os corações vazios, mal amados, partidos, abandonados ou tão somente subutilizados serão pacífica e amorosamente invadidos e ocupados pelo amor em todas as suas formas.


Sem paus e pedras e enxadas, mas com flores e música e presentes e simples declarações de apreço e cuidado, o amor tomará posse irrevogável de todo e qualquer coração devoluto. Banqueiros e bancários, construtores e operários, empresários, professores, artistas de rua, profissionais de toda sorte, adultos e crianças e velhinhos, todas as almas solitárias deste mundo! Preparem-se para ceder sem luta à chegada implacável do amor às terras férteis de seus corações.

Abram seus portões, escancarem as portas, liberem as janelas, prendam os cachorros e preparem a casa à visita permanente do amor operário, trabalhador, corajoso e simples. Ele vai chegar sem slogans ou passeatas, sem discursos, gritos de guerra ou enfrentamentos com a polícia. Vai surgir na hora mais silenciosa da noite, deitar ao seu lado e acordar com você na hora de ir ao trabalho, como se ali estivesse desde sempre.

O amor vai chegar assim, de manso, mas com o passo forte e a potência de um jato varrendo a craca dos rancores, a sujeira grossa dos maus pensamentos, a gordura acumulada das chateações diárias, da burrice, da inveja, da grosseria. Virá com a força mesma da vida, desobstruindo os canais da memória entupidos de morte. Virá alegre como o cão que reencontra o dono depois da eternidade de um dia inteiro sozinho em casa, à espera.
E então as preocupações ordinárias e mesquinhas farão as malas e deixarão os corações livres para viver em absoluto estado de ocupação plena pelas intenções e ações de um amor generoso, diário e vital.

Esse amor que acorda cedo e faz ginástica, que parece tão mais jovem do que de fato é, esse amor vai pintar as paredes da casa, mudar a posição dos móveis, vai matar a sede e a fome que restam, soltar os passarinhos de suas gaiolas ridículas, vai cuidar da horta no quintal e presentear os vizinhos com as verduras frescas. Esse amor vai florescer e perdurar e se esparramar pelas redondezas. Vai levar ao passeio diário os cachorros que vivem dentro de cada um de nós. Esse amor vai invadir em paz a nossa vida tão talhada para a guerra.

E quando as forças armadas de um coração já machucado se levantarem em defesa natural de sua estrutura, em puro e simples movimento de autopreservação, o amor estenderá sua mão pequena e linda, de unhas roídas e sem nenhum esmalte, e todas as armas cairão em silêncio. Então esse coração abrirá suas fronteiras à chegada irrefreável do encantamento amoroso e total, explosão de energia que nos leva ao encontro de quem somos, nos resgata da morte e nos devolve, sãos e salvos, à vida que é hoje, amanhã e depois um longo e eterno agora.

*Esse texto foi publicado originalmente na Revista Bula



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