Vida Subjuntiva (Emanuel Galvão)

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Foto: Eduardo Matysiak / Futurapress / Folhapress E se essa rua fosse minha E se a gente brincasse E se a bola ninguém furasse E se nossa trave seu João não chutasse Se na pistola ninguém pegasse Se o policial no menino preto não atirasse   Se essa rua fosse minha E nela ninguém mandasse Parar, quando a gente passasse E os documentos mostrasse E nossa mão se levantasse E nossa voz não calasse   Se essa rua fosse minha E a gente se rebelasse Entendendo a luta de classe E da política analisasse Sua cruel e podre face E acabasse o disfarce Atacando quem atacasse A gente multiplicasse E por força desse repasse Toda opressão cessasse   E se essa rua fosse minha Não tua! Eu não morava na rua Eu não dormia na praça Não mostrava a pele nua Não vestia a minha desgraça   Ah! se você entendesse Se você percebesse Se se compadecesse E intercedesse E retrocedesse   Talvez meu mundo Não fosse tão im...

Ele Não Tava Nem Aí (Ronaldo Pereira de Lima)



Para Alane, o smartphone do marido era um atrevido que se meteu em suas vidas. Se tivesse sexo, não gênero, diria que eles mantinham uma relação homoafetiva. Que toda aquela atenção dedicada para ele se voltasse para ela. Largada no sofá, já não aguentava aquela situação. Precisava dar um jeito nisso.
Foi aonde ele estava, disse-lhe algo e ele nem prestou atenção. Queria mais era se divertir, caçar Pokémon. Sentindo-se rejeitada, foi para o banheiro e chorou amargamente. Em seguida, lavou o rosto, banhou-se. Telefonou para a prima e pediu que a pegasse em casa. O que mais queria naqueles instantes de amargura era sumir de casa.
No bar, lamurienta, pediu uma dose de uísque, mais outra e outra. Eufórica, avistou um belo rapaz que sorriu para ela. A prima não a empurrou para ele, mas pediu que tivesse cuidado. Os apelos foram inúteis. E no banheiro do bar, deram uma rapidinha.
Passada aquela noite da primeira traição, Alane se sentia mal e sequer olhava para o marido. Olhar em seus olhos, nem pensar. As horas se passaram e Inácio nada percebeu. Sua vida estava mergulhada no mundo dos games e da navegação. Ela passou a ter desprezo por ele e a lhe tratar mal, chegando ao ponto de dizer impropérios. Ele não tava nem aí.
Num dia qualquer, ela arrumou a mala, disse que estava indo embora. Ele fingiu não ouvi-la. Continuou no notebook. Ela se irritou e disse: “Você não quer nem se despedir de mim. Mas eu quero”. Pegou o notebook e o jogou contra o chão. As partes se espalharam pela casa. Inácio olhou para ela furioso, mas foi Alane quem lhe deu um tapa na cara com toda força, raiva e ódio. Feito isso, saiu e bateu a porta.
Inácio chorou, não pelo tapa levado, não pela ida dela; mas por avistar partes do seu notebook espalhados pelo assoalho da casa como se fosse um corpo esmigalhado numa colisão. Passado o choro, ele pensou: “Bem, ela já se foi. Vou aqui na loja, compro outro notebook, recupero o hd e tá tudo certo”. Isso o encheu de regozijo satânico. Sabia que estava livre dela.
Depois, foi ao quarto onde costumava ficar e disse: “Samara, pode vir. Venha, meu amor. Tô esperando por você. Agora, a casa é toda sua. Ninguém mais nos impedirá de sermos felizes. Ah, você quer que eu a leve nos braços? Pois não! Será um prazer”. E a levou para o quarto, deixando-a numa posição sexy, a que ele mais gostava.
Em seguida, foi trabalhar. No trabalho, todos perceberam que ele estava feliz. O sorriso ia de um lado a outro. E perguntaram se ele havia namorado muito. Ele abriu aquele sorriso que só os apaixonados têm, deixando todos curiosos.
Na hora do almoço, André, seu melhor amigo; encontra-se com Alane. Ele a convida para almoçar. Enquanto não são servidos, comenta:
“Fulano tá todo sorridente. A última vez que eu o vi assim, ele estava apaixonado por você”.
“Sei lá daquele desmiolado. Só vive naquele notebook e no smartphone. Tem horas que fica num quarto. Você acreditar que ele nunca me deixou entrar naquele quarto e passava a maioria das noites lá? Ainda bem que eu deixei ele. Estava cansada de tudo aquilo, daquele comportamento estranho”.
“Bote estranho nisso! Será que tem outra garota na parada? ”.
“Não sei. Ele me deixava tão frustrada que eu nunca pensei nisso. Eu só queria poder estar perto dele, poder conversar, rir, fazê-lo esquecer por alguns minutos aquela vidinha. Mas era inútil. Preciso ir. Tchau! ”.
“Tchau”.
Enquanto se distanciava, André ficou sem entender como alguém era capaz de desdenhar de uma garota feito Alane. E concluiu: o amor é multifacetado.

Professor, escritor, blogueiro. Autor dos livros Agonia Urbana(prosa poética), Laura (Prêmio Alina Paim/infantojuvenil), A menina das queimadas (infantojuvenil) e Viu o home? (crônicas). Para saber mais, acesse: ronperlim.com.br/.

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