O Beijo (Elsa Moreno)

Imagem
O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

SOBRE O ANO NOVO (OU O PRÓXIMO DIA)

Agencia Alagoas

La fora o sol já me sorria
E o barulho dos carros e o despertador
Convidando-me ao trabalho, confirmaria
Que se tratava do segundo dia

Ao terminar os lances da escadaria
Chegando ao final do corredor
Meu vizinho ranzinza me reafirmaria
Que era mesmo o segundo dia

Apenas tendo deixado a portaria
Já escuto o barulho estridor
Do motorista com sua antipatia
Buzinando: é o segundo dia!

E no emprego já me aperceberia
Do peso hereditário do trabalhador
Envolvido com toda aquela burocracia
Intimando-me ao ofício do segundo dia

Logo mais em casa, onde descansaria
Do fardo do meu entediante labor
Minha amada, aborrecida, me receberia
Confirmando de vez que era o segundo dia

E o noticiário, recorrente informaria
Os horrores do mundo em meu televisor
Percebam, vejam que estranha ironia
Já não se falava de esperança no segundo dia

Parecia que nada mais me surpreenderia...
Onde fora parar a fraternidade e o amor
Os sonhos, o brilho nos olhos, a euforia
Que parecia tão distante no segundo dia?

Lembrei-me então de todas as alegrias
Dos abraços, do champanhe, do esplendor
Das luzes e toda aquela pirotecnia
Que antecederiam todos os outros dias

Pois que um ano se edifica com sabedoria
Nos detalhes, dia a dia, com afã de construtor.
Apesar de, embora que... Levante-se, tente, sorria...
Que esse é apenas o segundo dia

Sem métrica, sem pretensão da poesia.
Caneta, ideia, papel... Sou escritor.
Vejamos! O que mais me caberia?
Senão escrever, o próximo dia.

Copyright © 2012 by Emanuel Galvão
All rights reserved.

Comentários

  1. Admiro as suas poesias.Tem de vir de uma pessoa sensível e inteligente. Parabéns poeta!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Deixe seu comentário. Ele é importante para nós. Apos verificação ele será publicado.

Postagens mais visitadas deste blog

Eu Te Desejo (Flávia Wenceslau)

A Reunião dos Bichos (Antônio Francisco)

MEUS SECRETOS AMIGOS (Paulo Sant'Ana)

'ATÉ QUE A MORTE...' (Rubem Alves)

TÊNIS X FRESCOBOL (Rubem Alves)

Acolher (Claudia Lima)

O Beijo (Elsa Moreno)

Serra da Barriga (Jorge de Lima)