MEUS ESTIMADOS AMIGOS - DIA DO POETA (Emanuel Galvão)

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Para começar a semana Visitei meu amigo Mário Refiro-me ao Quintana E para meu poema  ficar danado de bom Parceria com Drummond Para ele não conter vícios Parceria com Vinicius E ser amigo do rei Nessa grande brincadeira Acompanhei Manuel Bandeira Também entre as pedras Cresceu minha poesia Cresceu com essa menina Grande Cora Coralina Poesia não precisa de motivo Basta ler em Ledo Ivo Quero iluminar de cima Acendendo lampiões Como fez Jorge de Lima Fazer um poema elegante Sofisticado, bacana Como faz o Afonso O Romano de Sant’anna Fazer poesia que arde Como faz Bruna Lombardi Não escrever coisa atoa Como fez Fernado Pessoa Fazer veros de quilate Como o Olavo Bilac Poema que seja casa Grande como uma mansão Como ergueu Gonzaga Leão Poema de morte e vida Severina vida sem teto Trabalhar no mesmo tema Faze grande o meu poema Como João Cabral de melo Neto Poema que a boca escarra E que escreve com a mão Que afaga e apedreja Sem flores e seus arranjos Como fez Augusto dos Anjos E na Can...

A Verdadeira Cura (Fernando Tenório)



Sábado de plantão. Depois de alguns atendimentos domiciliares, a ambulância ruma pela cidade. Os contrastes do Rio de Janeiro sendo vistos pela janela. Tentava absorver a cidade com os olhos, vendo meninos jogando futebol, mulheres conversando fortuitamente nas cadeiras da calçada e pude ver no Irajá uma pichação da cigana Oleska: “Trago o amor em 7 dias. Se não trouxer não era amor”. De alguma maneira, aquele recado escrito no muro enegrecido mexeu com todos ali. Luiz, o motorista, sorriu. André, o enfermeiro, cuidou em tirar foto para mandar à namorada. Eu fiquei pensando na verdade da sentença.

Chegamos a Madureira, destino do atendimento domiciliar. Terra do samba, das mulatas que requebram até de manhã, da Portela e Império Serrano. Isso pouco importava. O rádio já havia confirmado que um senhor 88 anos estava em franca dispneia. Entramos numa vila de casas pequeninas e na residência de cor amarela avançamos. O sofá era o abrigo para o senhor. Ele estava sentado, com a respiração aparentemente normal. Os olhos perdidos, a boca desviada e a interação quase inexistente davam indícios que logo a filha confirmou: “Ele teve um derrame e ficou assim”.

A esposa chorou. Contou do drama que vivia há 13 anos. Relatou a dificuldade de conviver com o corpo do homem que amou, pois a alma dele foi embora depois do acidente vascular cerebral. “Ele não é mais o mesmo. Nem olha para mim”. Depois de um tempo, perguntei o motivo do pedido de avaliação emergencial e a esposa, uma senhora bem apessoada na casa dos 60 anos, respondeu:
- Ele anda tossindo demais.

Depois de contar suas agruras, a esposa pediu para sair do lugar, pois não estava bem. Rumou para o lado externo da casa, mais precisamente para área comum da vila.

Examinei o doente e nada encontrei. André viu os sinais vitais e nada estava alterado. Explicamos para filha que não existiam motivos para maiores preocupações. Ela respirou aliviada e ofereceu uma goiabada com queijo. Luiz, o motorista, que sempre fica ao nosso lado, pensando em algum doce ou refrigerante ofertado pelos donos da casa, incrivelmente não estava lá. O motorista tinha localização incerta. André o procurou, mas deve ter pensado o mesmo que eu, que nosso companheiro saiu para fumar. Aceitamos a oferta gastronômica e nos deliciamos.

Saímos satisfeitos da casa amarela. Primeiramente, pelo paciente que fora apontado como dispneico e que estava bem. E também, por comer um quitute muito bom. Ficamos ao lado ambulância e nada do Luiz. André pensou em ligar para localizá-lo, e eu decidi tentar abrir a porta do veículo, que já estava aberta. Ouvi um bulício na parte traseira e fui verificar. Olhei pela janelinha consegui ver um casal se desvencilhando de um beijo.

Ao entrar no veículo, atrapalhamos o clima de romance. A mulher quis correr, mas Luiz segurou sua mão. Só soltou depois de alguns sussurros e de um telefone anotado. A mulher era a esposa do paciente atendido há pouco, aquela que reclamara da solidão compartilhada com o homem que já amou. Desceu ajeitando-se da ambulância e olhou novamente para Luiz antes de caminhar em direção à casa.

Luiz saiu da parte traseira da ambulância e entrou na boleia logo em seguida. Fitou-nos com os olhos e disse:
- O que foi? Nunca viram uma pessoa consolando outra? Eu não sou cruel.

Pensando bem, não havia local mais adequado para aquele flerte. A parte traseira da ambulância, local destino ao cuidado dos pacientes, foi escolhida. Quem disse que a falta de amor não faz adoecer? Talvez, naquele atendimento, Luiz tenha sido mais terapêutico que eu. Tenha resolvido mais questões de saúde até.

Depois, Luiz disse: “ninguém viu nada demais”. Ficamos em silêncio e o assunto nunca mais foi retomado, parecendo ter sido abafado pelo barulho da sirene.




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