“A palavra
oral não dá rascunho” Manoel de Barros
... não se
deixe levar pelo meu verso. Não leve tão a sério a minha prosa. Não me leve a
mal. Se finjo ser um bom escritor, eis mais um bom motivo. Não acredite em
escritores, não os leve a sério, o que eles querem é te levar para a cama,
mirar na tua pele folhas alvas e te engravidar de livros.
Marques um
acaso comigo e dir-te-ei, gaguejando e tímido, porém sem desviar o olhar, todas
as verdades que desejas ouvir. Te falo ao pé do ouvido, suando frio e com o
coração acelerado. Mas não leia a sério nenhuma palavra da minha escrita.
Deixe que eu
te toque com as mãos, mas jamais admita que uma só palavra minha penetre em teu
ser, pois assim estará corrompida para sempre, e quem o disse foi Neruda, um
mentiroso mais sincero do que eu. Conceda apenas o afago dessas calejadas mãos
de operário semântico, de modo que permanecerá intacta em sua pureza de menina
doce.
Perdoa
minhas orações, cesse aqui a leitura, vá para a cama sozinha e deixe fechados
os livros. Não se reduza a mero pretexto para composições estéticas, pois até
mesmo o mais singelo diálogo é pervertido pela minha impudica pena. Há
variações hermenêuticas que a tua ciência exata é incapaz de compreender. Te
contentes com os textos lineares, quase jornalísticos. Não adentre estes meios
tabernários que simulo. Disseram-me certa feita: a poesia é um crime perfeito.
Declaro
agora que te restituo a coroa, a janela, o vestido e a flor no cabelo.
“A palavra escrita não é para quem a ouve, busca quem a
ouça;
escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem a
escolhe”.
Fernando Pessoa
*veja mais do autor em BORDEL SEMÂNTICO
(A PALAVRA QUE SE DISPUTA PARA PÔR NA GRAFIA. ) click aqui;
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