O Beijo (Elsa Moreno)

Imagem
O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

Seol (Jorge Felix de Carvalho/Jürgen Von Felix)


Elih se encontrava cansado, triste. Solitário. Diante das dificuldades que enfrentava, não conseguia ver solução.
Atolado de processos, relatórios, pareceres e prazos, decidiu que não dava mais! Tentou pensar na música, nas artes, nos sonhos. Lembrou com pesar dos seus antepassados. Tentou esperança na lembrança dos descendentes.
Dai, inevitavelmente tornaram-se mórbidos os seus pensamentos, dando uma força descomunal à imaginação nefasta.
Elih se encontrava mesmo muito sombrio, desolado!
Então, saiu do escritório, mas antes deixou todos os papéis em ordem. Organizou tudo, cada coisa no seu devido lugar. Era como se estivesse despedindo-se para sempre daquela cena. Pegou sua pasta, vestiu seu paletó, e se foi fechando a porta e em seguida jogando a chave no fundo da pasta, como se não mais fosse precisar dela.
Andou a esmo em meio a multidão barulhenta, mas só conseguia ouvir uma única voz em sua mente. Olhou para a varanda de um prédio de esquina. E num hipnotizante caminhar subiu cada degrau em direção aquela varanda.
Quem o via passar nem imaginava o que ele sentia.
Não sabiam dos seus desejos, dos seus sonhos, muito menos das suas frustrações, dos seus medos.
Na verdade isso não fazia a menor diferença.
Ninguém se importava, ninguém se importaria.
Enfim, conseguiu sem problemas chegar até a varanda.
Estava suado.
Respirava ofegante.
De lá de cima vislumbrou aquela gente apressada.
De la de cima vislumbrou a vida.
Porém, isso não foi o bastante. Elih tinha tomado uma decisão. Então, fez uso de uma banqueta que se encontrava ali, verificou que o laço estava bem apertado no pescoço... largou a maleta. Tirou o paletó.
A essa altura alguém o percebeu e imediatamente entendeu o que estava acontecendo.
E enquanto Elih num momento de agonia tentava aliviar o pescoço, o socorro chegou frio, gelado com o colarinho branco. O garçom lhe trouxera o Chopp mais gelado que já bebeu. E Elih finalmente conseguiu se livrar do laço de sua gravata.
E a cada gole do seu chopp gelado, sentia que morria para os infortúnios desta existência. 




 *Seol - Nas línguas originais, a Bíblia usa a palavra hebraica sheʹóhl e sua equivalente grega haí·des mais de 70 vezes. As duas se relacionam com a morte. Algumas traduções da Bíblia vertem-nas por “sepultura”, “inferno” ou “cova”. No entanto, na maioria das línguas não existem palavras que transmitam o sentido exato desses termos hebraico e grego. De modo que a Tradução do Novo Mundo usa as palavras “Seol” e “Hades” nas notas.



Comentários

  1. Respostas
    1. Muito grato Simone Souza! E me perdoe a demora. Luz do Amor para você.

      Excluir
  2. Gratidão por postar o meu escrito. Quando o escrevi estava pensando no Setembro Amarelo, mês escolhido para prevenir o suicídio, e também nas pressões do dia a dia, que o nosso modelo social nos oferta kkkkkk

    ResponderExcluir
  3. Muito bom Jorge, principalmente o final. Parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gratidão meu bom Adelton! Luz do Amor para você.

      Excluir
  4. Respostas
    1. Muito grato Poesia Galvaneana! Gratidão por se fazer oportunidade para os que se utilizam da palavra. Luz do Amor!

      Excluir

Postar um comentário

Deixe seu comentário. Ele é importante para nós. Apos verificação ele será publicado.

Postagens mais visitadas deste blog

Eu Te Desejo (Flávia Wenceslau)

A Reunião dos Bichos (Antônio Francisco)

MEUS SECRETOS AMIGOS (Paulo Sant'Ana)

'ATÉ QUE A MORTE...' (Rubem Alves)

TÊNIS X FRESCOBOL (Rubem Alves)

Acolher (Claudia Lima)

O Beijo (Elsa Moreno)

Serra da Barriga (Jorge de Lima)