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Mostrando postagens de setembro, 2014

O Beijo (Elsa Moreno)

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O Beijo de Gustav Klint (fragmento) Eu acho que os beijos são dados na boca porque é onde brotam as palavras. Se eu te beijasses a ponta dos dedos, estaria buscando uma carícia; se te beijasse a sola do sapato, estaria buscando um caminho. Se te beijasse as pálpebras enquanto dormes, estaria pedindo permissão para entrar nos teus sonhos, mas estou te beijando os lábios, porque quero ouvir minhas palavras saírem de ti, outra vez. Se te beijasse a planta dos pés, buscaria um passo em falso. Se te beijasse a parte interna do cotovelo, buscaria teus esconderijos. Se te beijasse a sombra, não saberia o que busco, mas estaria tão perto. Se te buscasse essa noite, beijaria cada estranho até te encontrar. Outra vez. Se eu te beijasse, seria como algo escorregadio sobre uma tela de carne que transborda e se espalha pelas vigas da minha casa. Subiria escorregadia por um muro, separando a pele da carne que se injeta em uma estrutura impessoal chamada nome. Estaria consumida antes mesmo de abrir ...

Um Beijo (Olavo Bilac)

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Foste o beijo melhor da minha vida, ou talvez o pior...Glória e tormento, contigo à luz subi do firmamento, contigo fui pela infernal descida! Morreste, e o meu desejo não te olvida: queimas-me o sangue, enches-me o pensamento, e do teu gosto amargo me alimento, e rolo-te na boca malferida. Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo, batismo e extrema-unção, naquele instante por que, feliz, eu não morri contigo? Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto, beijo divino! e anseio delirante, na perpétua saudade de um minuto...

'Amor' (Luís Vaz de Camões)

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Busque Amor novas artes, novo engenho, para matar-me, e novas esquivanças; que não pode tirar-me as esperanças, que mal me tirará o que eu não tenho. Olhai de que esperanças me mantenho! Vede que perigosas seguranças! Que não temo contrastes nem mudanças, andando em bravo mar, perdido o lenho. Mas, conquanto não pode haver desgosto onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê. Que dias há que n'alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê. *Luís de Camões Camões, L. V. de. Sonetos. Lisboa: Livraria Clássica Editora. 1961.

Oficina de Poesia (Sergio Vaz)

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"o que é poesia?" O menino me perguntou. "Poesia é a forma diferente de olhar as coisas." Eu perguntei: " o que tem na minhas mãos?" "Água." Todos responderam. Perguntei de novo " o que tem nas minhas mãos?" "água." Perguntei mais uma vez, só que desta vez alguém lá no fundo disse "mar" do outro lado alguém disse "Chuva" "enchente" "lágrimas" "Vida" "suor" "refrigerante" "suco" "banho" etc. etc. etc. Aí, eu disse: "Pera lá, mas agora pouco não era só um copo de água?" "ha, ha, ha, ha, ha, ha..." E todos nós rimos como se a dor não existisse. E a água da poesia quase afogou meus olhos. O Coração já tinha transbordado há muito tempo.

Quem me leva os meus fantasmas (Pedro Abrunhosa)

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(*) Aquele era o tempo Em que as mãos se fechavam E nas noites brilhantes as palavras voavam, E eu via que o céu me nascia dos dedos E a ursa maior eram ferros acesos. Marinheiros perdidos em portos distantes, Em bares escondidos, Em sonhos gigantes. E a cidade vazia, Da cor do asfalto, E alguém me pedia que cantasse mais alto. Quem me leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? Quem me diz onde é a estrada? Quem me leva os meus fantasmas? Quem me leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? E me diz onde e´a estrada Aquele era o tempo Em que as sombras se abriam, Em que homens negavam O que outros erguiam. E eu bebia da vida em goles pequenos, Tropeçava no riso, abraçava de menos. De costas voltadas não se vê o futuro Nem o rumo da bala Nem a falha no muro. E alguém me gritava Com voz de profeta Que o caminho se faz Entre o alvo e a seta. Quem leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? Quem me diz onde é a estrad...

Código (Emanuel Galvão)

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Coração diz umas coisas... Um código morse, feitos de tum-tuns Umas mudanças de brilho no olhar Tem que entender de amor pra decifrar Fala para todos Mas, só o entendem, alguns.

A Idade e a Mudança (Lya Luft)

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"Mês passado participei de um evento sobre as mulheres no mundo contemporâneo.      Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres  de todas as raças, credos e idades. E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.      Foi um momento inesquecível...  A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.      Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho? Onde é que nós estamos?' Onde, não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo.        Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias est...