Invenção de Orfeu UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] (Jorge de Lima)

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Catástrofe ambiental provocada pela Braskem [ [UM MONSTRO FLUI NESSE POEMA] Um monstro flui nesse poema feito de úmido sal-gema. A abóbada estreita mana a loucura cotidiana. Pra me salvar da loucura como sal-gema. Eis a cura. O ar imenso amadurece, a água nasce, a pedra cresce. Mas desde quando esse rio corre no leito vazio? Vede que arrasta cabeças, frontes sumidas, espessas. E são minhas as medusas, cabeças de estranhas musas. Mas nem tristeza e alegria cindem a noite, do dia. Se vós não tendes sal-gema, não entreis nesse poema.           Invenção de Orfeu, Canto Quarto, poema I

"O Que A Memória Ama Fica Eterno" (Fabíola Simões)


Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.

O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.

É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente parte. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão perto, nossos pais ainda vivem.

Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.

A capacidade de se emocionar vem daí, quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e lembra aquela pessoa, aquele momento, aquela época…

Amigos verdadeiros têm a capacidade de se eternizar dentro da gente. É comum ver amigos da juventude se reencontrando depois de anos – já adultos ou até idosos – e voltando a se comportar como adolescentes bobos e imaturos. Encontros de turma são especiais por isso, resgatam as pessoas que fomos, garotos cheios de alegria, engraçadinhos, capazes de atitudes infantis e debilóides, como éramos há 20 ,30 ou 40 anos. Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos, brincadeiras, apelidos… mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e rugas.

A memória não permite que sejamos adultos perto de nossos pais. Nem eles percebem que crescemos. Seremos sempre “as crianças”, não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Pra eles, a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas ao cair da noite… ainda são muito recentes, pois a memória amou, e aquilo se eternizou.

Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na dor. Mas aquilo que amamos tem vocação para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando. Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que amamos pode ser facilmente reativado por novos gatilhos: somos traídos pelo enredo de um filme, uma música antiga, um lugar especial.

Do mesmo modo, somos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex-amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.

* A frase do título " O que a memória ama fica eterno" é do poema - Para o Zé (de Adélia Prado)

Comentários

  1. Já nasci com um sentimento de muito amor pela vida. Sentir o que a vida oferece de bom é tão importante para mim, que chego até a me conflituoar com a prática de me alimentar com outras vidas. Para que eu possa saborear um alimento gostoso à base de carne ou peixe, sei que vidas tiveram de ser dizimadas. Observando as relações das mães de outras espécie com seus filhos, é impossível não me sentir no lugar delas. Também sou mãe e tenho sorte de ser gente e ter uma carne que o mercado não quer. sei que ainda há muitas perguntas sem respostas com relação aos sentimentos das diferentes vidas nesse planeta. Mais sei que os princípios sensoriais de amor e de satisfação pela presença carinhosa e pelo toque de quem amamos é semelhante para quase todos os animais de diferente espécies. Para os mamíferos essa carga de sentimentos é muito forte, recebida por cada ser na infância através do ato de mamar. As provocações externas do meio nos fazem sofrer ou se alegrar, porque acordam o mundo sensível que sustenta o corpo material e reações acontecem em forma de animação, lagrimas ou aperto no peito.
    Será que somos capazes de avaliar os sentimentos e a dor daqueles de outras espécies que têm suas vidas subtraídas
    para nos alimentar? Como é o seu choro? Quem os escuta?
    Quem disse que não têm sentimentos? Cuide de um animal lhe dando carinho e duvide dos seus sentimentos em relação a você, se puder. Hoje eu não quis comentar sobre meus sentimentos apenas... precisei falar do mundo à minha volta.

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