Um Amor (Emanuel Galvão)

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              Alguém já me havia dito que a vida é bem representada pelo aparelho que fica ao lado do leito dos pacientes, principalmente os da UTI. Aquele que faz um sobe-desce e determina o ritmo do coração, um gráfico para dizer a quantas anda nosso batimento cardíaco.  A vida tem seus altos e baixos, vejam, suas árduas subidas e os santos ajudando ladeira a baixo, como diz o ditado.            Naquele aparelho o que não se quer é uma linha reta, horizontal a sinalizar que descansamos. E na batalha da vida, pela vida e com a vida, os amores. Esses que também tem aclives e declives e podem ser difíceis para alguns, como estas palavras. Afinal, a vida não é para amadores. E eu direi: a vida é para amantes. Esses que de conversa em conversa, vão alimentado de saudades um relacionamento, esses temperados com sorrisos, carinhos e gentilezas.            São esses amores silenciosos, com menos boca e mais ouvidos que conquistam a eternidade. Saber ouvir é uma arte, saber ouvir e sorrir  é

Um dia atrás do outro (Rita de Cássia Tenório Mendonça)

*

Os dias vêm se sucedendo numa cadência
que não me diz respeito.
Os dias nascem e se encerram
com o mesmo colorido,
o mesmo calor ameno
e a mesma penetração de luz.
Nada muda.
A vida parece não caminhar em meu ritmo.
Sim, sei que ela passa.
Sei sim.
Vejo as marcas da vida
na pele de minhas mãos
e ao redor de meus olhos.
Odeio esses sinais do tempo!
Não poderiam ser outras,
em locais menos visíveis,
essas marcas do que vivi?
Não poderia a aridez da idade
se concentrar toda num lugar só
lá na sola de meu pé esquerdo,
como um arremate bem feito,
onde eu só pudesse vê-lo
com muita dificuldade, em contorsão?
Ou por que não no avesso de minha pele,
lá pela nuca, perdido entre os cabelos
em costura de fio invisível?
Construí minha vida, estou certa.
Sou inquieta demais
para ficar na janela escutando música.
Mas nos últimos tempos os acontecimentos
parecem alheios a meu ritmo.
A vida parece ter me esquecido
em algum cantinho sem graça,
em alguma estrada marginal,
e nada me acontece,
que seja digno de registro.
Estou numa espécie de ponto de apoio
onde as pessoas param,
se entregam ao cansaço, se recompõem
tomam fôlego e prosseguem.
Sou a que diz as palavras de perseverança
bravura e intrepidez.
A que dá força para prosseguirem.
Mas quando elas se animam e vão adiante,
permaneço em minha melancolia atonal,
parada, no tal cantinho
aguardando não sei bem o quê,
e vindo não sei de onde.
Sou, mesmo, da equipe de retaguarda.
A que nunca vai cruzar a linha de chegada,
a que nunca vai receber a taça no podium
mas que participou ativamente da campanha,
no suporte, nos preparativos, nas negociações.
Nunca conduzi feitos magistrais,
mas sempre estou por perto
de quem os deu vida.
Uso bem, e em meu favor,
as descobertas alheias,
mas nunca inventei nada
que viesse a me trazer glória ou prestígio,
ou que levasse meu nome
a ser citado em conversas alheias
travadas há quilômetros de distância.
Só uma vantagem:
se de bom não me vieram ocorrências,
ao menos os infortúnios passaram longe.
Os que amo, não morreram ainda,
Os que convivo, não se machucaram
E nem machucaram ninguém.
A vida segue sua cadência,
num som grave, de batida oca, faceiro,
mas em tom de acompanhamento.
Batuque que sozinha não forma melodia.
Dilema: não sei se espero a vida concluir
esse seu ciclo enfadonho, em marcação amena,
ou se acelero os ritmos de meu coração
e me atiro desvairada
numa rota que não é minha
só para sentir o gosto apimentado
da aventura alheia.
Sinto que esses dias não me pertencem.

*Descrição da imagem.  Sobre pedras polidas de jardim repousa uma flor rosa claro, de muitas pétalas.

Copyright © 2013 by Rita Mendonça
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